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. Homem de Aço . 2013

 

As sementes da origem da justiça.

 

Este é um artigo sobre a criação máxima de Jerry Siegel e Joe Shuster nos cinemas. E é também muito emocionante de se escrever. Não é pouco o que se pode dizer sobre este filme, para o bem ou mal, gostando ou não, aprovando ou não certas mudanças sutis na mitologia, este filme é a gênese de um Universo inteiro. E sua criação deve ser pontuada e contextualizada com quatro momentos históricos para os filmes de super-heróis.

 

O primeiro momento é Donner. Se Donner proclamou que filmes de super-heróis devem ser investimentos respeitáveis e levados a sério tanto na produção quanto no roteiro e na direção, devem ser vistos como jóias, o caminho para se chegar a este filme nem sempre seguiu a orientação do mestre realizador do clássico de 1978. Após Superman e Superman II - A Aventura Continua, a Warner resolveu mudar o direcionamento desses filmes, e então surgiram verdadeiras bijuterias: Superman III e Superman IV - Em Busca Da Paz e Supergirl (1984). Estes três filmes contavam com elencos estelares para a época, mas a Warner fez o desserviço de estragar o caminho de Donner, e o resultado são três filmes que podem ser tomados como assombrações cinematográficas.

 

Apenas em 1989, e também com a Warner, mas não com o Superman, o gênero (ou sub-gênero) de filmes de super-heróis seria novamente levado à sério: os quatro filmes de Batman, dois de Burton e dois Schumacher, embora com propostas diferentes, mostram um novo fôlego para essas películas. Este é o segundo momento.

 

Em 2006 temos Singer com seu nostálgico Superman O Retorno, e depois, para o Superman, o silêncio. E para os filmes de super-heróis mais amenos, a atrasada despedida.

Atrasada pois em 2005 o grande Christopher Nolan inicia sua trilogia com o Batman e, com ela, marca o início de um terceiro momento da cinematografia de super-heróis . Assim como Donner fez com seu Superman, Begins é um ponta pé de uma nova maneira de se ver os super-heróis: sombria, violenta, relacional (Nolan) ou realista (como ficou popularizado). Mas os méritos de Nolan vão mais além, ele colocou verdadeira nuance psicológica na maneira como se retratar um super-herói (isso nos cinemas, pois nos quadrinhos, Alan Moore, Frank Miller, Will Eisner ou Grant Morrison já faziam isso).

 

Não é mais possível, gostemos ou não de Nolan, se fazer filmes de super-heróis sem olharmos para a beleza e profundidade de um TDK, até Joss Whedon admitiu isso.

 

O quarto momento surge em 2008 com Homem de Ferro, do Marvel Studios. Outros personagens Marvel já haviam aparecido antes, mas nenhum filme marcou nada de novo. Homem de Ferro inicia o que se viria a chamar de Universo Compartilhado e isso é novo. Pode não ser tão novo para o cinema, pois o Universal Studios já havia feito isso com seus monstros na década de 50. Mas para o gênero de super-heróis a novidade foi como uma bomba e hipnotizou uma legião gigantesca de fãs.


Hoje, então, temos dois momentos que caminham lado a lado. O que se iniciou com Nolan em 2005 e o que se iniciou com o Marvel Studios em 2008.

 

Pois bem, O Homem de Aço, de Snyder, de 2013, une o realismo de Nolan, com a missão de ser para o Universo Cinematográfico DC aquilo que O Homem de Ferro foi para o Universo Cinematográfico Marvel: o seu livro Gênesis.
E Snyder não polpou sua inspiração.

 

O filme começa em Krypton onde Lara está em trabalho de parto. Seu marido Jor-El é o parteiro. Já nesse início notamos a primeira diferença desse filme em relação aos atuais: a câmera tremida e desfocada, para insinuar realismo. Mas observem que esse efeito não é um efeito que se completa em si mesmo, não é o efeito pelo efeito. Estamos num momento de nascimento de uma vida, e a câmera "realista", como em um documentário, capta o nascimento de uma criança. E isso ganha mais profundidade relacional quando ficamos sabemos, mais tarde, que esse nascimento é o primeiro nascimento natural em Krypton há séculos. Quando kal-El nasce, a natureza inteira brada nos confins kryptonianos. Essa abertura em krypton em sim mesma já é um filme a parte. É o mais eficiente prelúdio em filmes de super-heróis. E os efeitos especias dessa cena, aliados com a câmera de Snyder e seu olhar clínico para o momento exato do impacto, tornam esses 20 minutos iniciais uma pequena jóia de um grandioso colar preciosíssimo.

 

Na sequência temos mais uma novidade snyderiana para esse filme. Flashbacks. Man of Steel não é um filme linear, e isso o diferencia novamente de seus companheiros de outros estúdios.

E nesse primeiro flashback temos mais acurada uma característica já presente desde a cena de abertura em Krypton: o intimismo. No prelúdio esse intimismo veio na música que ouvimos na destruição de Krypton, veio nos olhares de Lara para seu bebê. Agora temos a alma do pequeno Clark desvelada, que sofreu muito enquanto criança.

 

Clark chora. Cenas assim, nesse filme, conseguem mostrar um lado de Snyder não muito conhecido pelos seus outros filmes, mas que em O Homem de Aço é uma constante: a união, em um filme de super-herói do intimismo com a pancadaria. Intimismo, nas cenas de Jonathan Kent, nas cenas de Clark criança com sua mãe, nas cenas de Clark jovem, onde Cavill expressa facialmente o ponto exato do sentimento da cena, nos diálogos de pai e filho. Há dois filmes sendo contados em O Homem de Aço, o primeiro é um filme intimista, sensível ehumano; o outro é um filme exterior de explosões e lutas. Snyder mostra seu talento em ambos os momentos.

 

Num momento dramático, a morte de Jonathan Kent, vemos mais uma novidade de Snyder em O Homem de Aço, a busca para fugir de situações que se resolvam de forma "clichê". Essa cena é original e nunca mostrada em um filme de super-herói.

Snyder procurou um entendimento interior e filosófico para o momento. Fez Clark momentos antes dizer que Jonathan não era o seu pai. Para no momento seguinte mostrar o arrependimento de Clark de forma visceral, na mais completa obediência e respeito à figura paterna, mesmo que isso significasse a morte de seu pai. É um cena difícil. Mas filmes de super-heróis não precisam ser necessariamente fáceis.

 

A formação de Clark foi complicada. É essencial que essa formação fosse mostrada dessa maneira. Snyder considera Clark um ser divino, como veremos mais tarde, mas também consegue enxergar que esse ser divino está entre humanos e portanto é capaz de sofrer como homem. Na verdade sofre como homem para aprender o significado do sofrimento humano. Isso é algo profundo. Sofrer para compreender e assim se identificar com o sentido do sofrimento alheio. Apenas uma figura na história humana fez isso. O personagem de Siegel e Shuster é claramente inspirado nele. E Snyder aprova integralmente essa identificação.

 

Depois, Zod chega a Terra dando um ultimato: quer que Kal-El se entregue ou o planeta será destruída.
Com isso vemos um dos momentos mais belos do filme. E que não se encontra semelhante no atual panorama cinematográfico super-heroico. É uma cena intimista, como outras anteriores, mas diferente daquelas pois esta se passa no presente. E é uma cena inspirada em uma hq, nesse caso, Superman: Pelo Amanhã. Clark conversa com um padre. Após o ultimato de Zod, ele fica ainda mais pesaroso e decide procurar conforto espiritual. Na cena, atrás dele, vitrais com figuras de Jesus Cristo. Apenas com esse personagem histórico a criação de Siegel e Shuster pode ter completa identificação, talvez também com Moisés.

 

O padre aconselha-o a agir pela fé.

 

É uma cena corajosa. Mostrar um Superman fragilizado, humano e cheios de dúvidas, ter a coragem de mostrar um Superman em formação de maneira humana: com dúvidas, silente, angustiado, buscando até mesmo ajuda com padre! Esse momento é um diálogo sobre fé. E nada é mais humano do que a fé.

Essa identificação de Clark com Jesus também é positiva por outro motivo. Desta vez político. Mostrá-lo como uma espécie de judeu que não encontra pátria, é fugir dos que identificam o personagem como um representante do modo de vida americano, Cristo com certeza é mais universal.

Ele decide se entregar. Mas do modo dele e não seguindo a cartilha do governo EUA. Ele mesmo afirma que o temem pois sabem que não podem controlá-lo. Esse Superman de Snyder/Cavill está muito distante do bom escoteiro. Outro ponto para Snyder.

 

Agora esse filme mostra de forma mais vigorosa sua outra virtude: a pancadaria perfeita e a destruição gigantesca. Já tivemos um vislumbre disso em Krypton e em quando Smalville foi invadida por Zod. Mas agora é em Metrópolis e o show de CGI é delirantemente arrasador. Se o inicio do filme pós-Krypton é intimista ao mostrar as angustias de Clark e sua família, o final é uma explosão de CGI avassaladora que é digna daquele outro Snyder, o porradeiro.

 

As palavras de Zod para Kal, após as últimas esperanças de restabelecer Krypton serem frustradas, são paradigmáticas e mostram novamente uma grande virtude dos grandes filmes com personagens DC: o vilão. Hackman com Donner, Nicholson e Pfeiffer com Burton, Spacey com Singer, Neeson e Ledger com Nolan são exemplos de uma tradição vigorosa, a de grandes vilões. Shannon com Snyder não faz por menos.

 

As palavras e a interpretação delas por Shannon corporificam magistralmente Zod. Ele é um general. Qualquer coisa que faça, cada ato, não importa se bom ou se mau, é para o bem maior de Krypton. Para o bem maior de "meu povo"! E quando isso se vai, "A minha alma é o que você roubou de mim!" Afirma para Kal-El.

O embate é magnífico. É a melhor cena de luta em filmes recentes, e não apenas em filmes de super-heróis. A câmera de Snyder parece saber o momento certo para a tomada. Que diretor! Agora ele se prova, mais uma vez, um mestre para a imagem, é o Snyder de 300 ou de Watchmen, com sua agudeza plástica multiforme e caleidoscópica. É simplesmente O FINAL MAIS ÉPICO de todos.

 

E Snyder não tem piedade. Leva tudo ao extremo. Com esse final, mostrou que um filme de super-herói pode ir às últimas consequências na vontade verdadeira de sair do lugar-comum, de fugir do clichê: o assassinato de Zod nas mãos de Kal-El é a cena mais original em qualquer filme de super-herói em qualquer época e se torna mais tensa sobretudo porque o ato é feito diante de uma família aterrorizada. Nenhum filme de super-herói ousou ir tão longe.

 

Mas com um vilão construído da forma como Zod foi: inexorável, sem cerimônias e determinado, qualquer outro final seria duvidoso e tiraria muito mérito de Snyder. É preciso coragem para matar. Mais ainda, é preciso coragem para fazer o super-herói matar o vilão. E mais ainda, é preciso coragem ainda maior para fazer o super-herói matar o vilão diante de uma família aterrorizada pela luta entre os próprios super-herói e vilão.

 

E o Superman quebra o pescoço de Zod. E grita dolorosamente por isso. Salva uma família da destruição. E se destrói de sofrimento, ajoelhando ante os humanos presentes, incluindo Lois. É Cristo sofrendo as dores do mundo, as dores de um mundo cruel e sem misericórdia. Ele precisou passar por isso, e assim mais tarde, poder se tornar o super-herói que sabemos que ele é. O primeiro e o maior.

 

No epílogo, que pelo clima se passa mais tarde, em um momento futuro, com Metrópolis já, no mínimo, em fase de reconstrução, Clark é apresentado ao Planeta Diário. A música não consegue acompanhar os sorrisos que vemos. Assim como na cena de destruição de Krypton a música parece dizer outra coisa além da visão.

E nesse caso, devemos saber que os acontecimentos de O Homem de Aço vão repercutir. Os sorrisos são contidos. A música é quase um eco do silêncio. Impessoal. Fria. Soturna. Distante. Embora a cena seja de alegria. Não há festejo após a vitória do Superman.

 

Snyder construiu um filme que caminha entre o coração e a alma e o braço e o sangue. Ele não fez concessões gratuitas ao gosto já dantes estabelecido sobre como esse personagem deve se comportar. Verdadeiramente esse filme é um filme de origem. Snyder procurou construir Clark/Kal/Superman de forma crível, embora não habitual. Mostrou dessa forma como se faz um filme que joga com a emoção interior ao mesmo tempo em que detona diante de nós uma pancadaria de mestre. Do intimismo e realismo das cenas de infância, juventude e fase adulta de Clark aos diálogos dele com sua família e dos de Jor-El com Lara passando pelo retrato de Zod e pela morte de Jonathan até chegar nos escombros de Metrópolis, esse filme merece ser amado por cada cena que foi filmada.

 

Nenhum filme de super-herói possui cenas tão marcantes de ação quanto esse.
Nenhum filme de super-herói possui cenas tão íntimas quanto esse.

Nenhum filme de super-herói fugiu tanto do clichê quanto esse.

 

No que tange aos aspecto dos intérpretes, o elenco está inspirado.

 

Henry Cavill, primeiro ele. Seu Superman não deve nada a nenhum outro. Fisicamente é o próprio. Dramaticamente consegue passar emoção, seja falando, seja calado, através da expressão facial certa, em todos os momentos. No diálogo com o pai, antes de sua morte no furacão, nem precisava tanta energia. Mas vale a pena ver. Quando fica calado e deixa o restante do corpo atuar, também é ator. Sua fisionomia na cena do bar com o caminhoneiro é convincente sem qualquer restrição. A cena na igreja é profunda. Cavill sabe trabalhar esses momentos. Superman não é um personagem simples. É complexo e difícil de ser trabalhado. Mostrar Kal-El com dúvidas existenciais é um elemento necessário nesse processo de criação para fazer a ligação com o nosso mundo e o nosso tempo.

 

A Lois Lane de Amy Adams não tem os histrionismos, comuns na época de Margot Kinder, e por isso consegue passar verdade como uma jornalista de hoje.

 

Michael Shannon convence por tudo a respeito de seu Zod. Da vontade de selecionar suas falas e suas cenas e ver em separado.

 

Russel Crowe e Aylet Zurer são corretos como Jor-El e Lara.

 

Kevin Costner e Diane Lane, Jonathan e Marta Kent são os personagens mais interiores e intimistas da película. São as faces humanas que criaram e humanizaram Clark.

 

Lawrence Fishburne é um sólido e respeitável Perry White.


A bela Antje Traue é a parte feminina de Zod. Tão implacável e convincente quanto o General em seu retrato de Faora.

 

Por tudo isso Snyder está certo e de parabéns pelo bálsamo que foi O Homem de Aço. Bálsamo contra aqueles que querem ver o Último Filho de Krypton preso em amarras passadistas.

 

O Homem de Aço prova a validade do personagem para os dias de hoje. Obrigado Zack Snyder, seu Man of Steel é o maior filme se super-heróis do século XXI.

 

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Por Alexsandro Alves

     mai.2015

 

 

 

 Nota:

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